Observatório do Desenvolvimento Capixaba

Breve reflexão sobre a recuperação após a pandemia

Como será o mundo após a pandemia? Viveremos uma recuperação em V, U ou L? Muito se tem especulado sobre os desdobramentos da pandemia de Coronavíus (Covid-19) e como seria o novo futuro após a crise. Nessas horas incertas, como muito bem expressou o filósofo Paul Valéry (1871-1945) na década de 1920, vivemos um lugar comum ao dizer que o futuro não será mais como antes. Afinal, o que está ao nosso alcance avaliar? Quais são as perspectivas para o Espírito Santo e o Brasil?

As medidas de isolamento social foram e ainda são úteis, ainda que os índices de isolamento social disponíveis tenham mostrado que eles estiveram recorrentemente abaixo das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Tendo em vista que a transmissão do vírus vem sendo alta no Brasil, não devemos descartar um lockdown (confinamento) logo adiante. O custo do relaxamento das políticas de isolamento social foi subestimado no Brasil, infelizmente.

Medidas atrasadas e mais duras de isolamento social serão necessárias. As consequências já estão dimensionadas. Um estudo de abril, chamado “Impactos macroeconômicos e setoriais da Covid-19 no Brasil”, coordenado pela professora Esther Dweck (IE-UFRJ), simulou os efeitos da pandemia de Covid-19 na economia brasileira. A nossa economia poderá cair até 11% em 2020 e a arrecadação tributária poderá cair até 14%. O mercado de trabalho, cuja precarização cresceu desde a reforma trabalhista, poderá ser ainda mais deteriorado com a perda de 15 milhões empregos. O Estado do Espírito Santo, que possui um grau de abertura comercial acima da média brasileira, deverá ser duramente atingido por essa crise de múltiplas dimensões.

A demanda de consumo doméstica será afetada adversamente e acabará desestimulando a retomada vigorosa de setores econômicos. O efeito de histerese deverá ser forte na economia brasileira, e também no Espírito Santo. No contexto pós-pandêmico, o gasto público precisará inevitavelmente buscar reconstruir a demanda doméstica. Ele já deveria estar sendo bem mais ágil e eficaz em ajudar a manter a renda das famílias durante a pandemia. O que mais causa preocupação, no entanto, é o quadro vigente de desarticulação federativa. Como ficará a estabilidade democrática brasileira em um vindouro cenário caótico e distópico, que se entrelaçará com o processo de esgarçamento das instituições vivido nos últimos anos?

Paul Krugman, laureado com o Prêmio do Banco Real Sueco de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel, pondera que ainda precisamos pensar no enfrentamento da pandemia. Em relação ao funcionamento pleno da economia, Krugman afirma que “a abertura prematura pode resultar em centenas de milhares de mortes – e gerar resultados adversos mesmo em termos econômicos, já que uma segunda onda de infecções poderia nos forçar a voltar ao confinamento”. Devemos ajudar os trabalhadores na crise, sustentando suas rendas. Nesse sentido, alguns países têm maiores possibilidades de sucesso do que outros. Nos países desenvolvidos, o banco central pode financiar os gastos públicos deficitários dos governos com relativa tranquilidade, ao passo que nos países não desenvolvidos tal financiamento provavelmente provocará pressões cambiais e alguma fuga de capitais.

Há entre nós quem ainda insista, mesmo durante a pandemia, na necessidade de retomarmos o caminho distópico das reformas (neo)liberais. Em seu livro, “Capital e ideologia” (2019), o economista Thomas Piketty mostra como ideologia e política moldam sistemas desigualitários em diversas épocas e em diversos países. O Brasil, que possui uma forte herança colonial e escravocrata, de tradição desigualitária, se insere na discussão. Antes da pandemia de Covid-19, os indicadores sociais e econômicos brasileiros, segundo o IBGE, revelavam a fragilidade da recuperação da recessão de 2015 e 2016. As desigualdades sociais vinham crescendo desde 2016 e a informalidade laboral também. 

Relevantes discussões públicas globais mudaram de patamar e perspectiva a partir da pandemia de Covid-19. Alguma dose de desglobalização de atividades econômicas já está ocorrendo e os discursos de muitos chefes de governos mudaram. No Brasil, a tentativa de retomar o caminho das reformas, o liberalismo primário dos fiscalistas, segundo André Lara Resende, enfrentará a marcha dos acontecimentos dos danos causados pela pandemia. Na ausência de um boom de commodities, que ajudou a reduzir marginalmente as desigualdades sociais entre nós, as perspectivas são ruins para os capixabas e o Brasil. Desemprego, pobreza, desigualdades sociais extremas e desvalorizações cambiais integram o quadro de dramas. Não é mais satisfatório fazer “mais do mesmo” no Espírito Santo.

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