Observatório do Desenvolvimento Capixaba

A Armadilha da Zona de Conforto II: “Desafios da Estrutura Produtiva”

Ednilson Felipe e Érika Leal
Observatório do Desenvolvimento Capixaba

Os pesquisadores e estudiosos da economia do Espírito Santo há muito se debruçam sobre um fenômeno que lhe é inerente: os ciclos da economia capixaba, oscilantes em épocas de crescimento e queda, como ilustrado no gráfico 1. Sua dinâmica cíclica, às vezes intensa e às vezes mais suaves, remetem às constatações de que a economia capixaba responde aos estímulos internos (da própria economia brasileira e local) e externos (ligados, principalmente, ao ciclo de preços das commodities e à dinâmica de crescimento dos principais parceiros comerciais, notadamente China e Estados Unidos). De uma forma geral, é possível dizer que a dificuldade de manter trajetórias estáveis de crescimento está ligada aos efeitos perversos decorrentes da especialização produtiva em produtos naturais e exportações de commodities pouco elaboradas.

GRÁFICO 1 – TAXA ACUMULADA AO LONGO DO ANO / MESMO PERÍODO DO ANO ANTERIOR

Fonte: IJSN (2022)

A discussão sobre essa dinâmica cíclica não é recente e já ganhou, ao longo do tempo, contornos muito diferentes. Alguns estudos atrelaram essa dinâmica cíclica ao tipo de industrialização que se seguiu no Espírito Santo (primeiro ciclo, segundo ciclo e um controverso terceiro ciclo); outros, aos movimentos de urbanização e outros aos preços das commodities internacionais. Outros estudos ainda fazem uma ligação entre essa dinâmica e a estrutura produtiva capixaba, tomada como pouco diversificada e com certo grau de rigidez, o que faria com que a economia capixaba repetisse os ciclos nacionais, porém, em maior intensidade, tanto nos momentos de crescimento (crescendo mais) quanto nos momentos de queda (caindo mais que a nacional).

Há também estudos que apontam a baixa complexidade da estrutura produtiva capixaba como elemento explicativo do tipo de ciclo dinâmico que se forma, alternando momentos de crescimento e de quedas significativas.

O conceito de complexidade econômica desenvolvido por Hildalgo e Hausmann (2007) parte da análise da pauta exportadora de uma determinada economia para medir, de forma indireta, a sofisticação tecnológica de seu tecido produtivo. A tese é que quanto mais sofisticada, mais dinâmica e menos vulnerável a ciclos externos. A complexidade também se relaciona com os conceitos de diversidade que, por sua vez, dizem respeito a um maior número de produtos que uma determinada região produz e exporta, com vantagens comparativas.

Neste sentido, vale a pena olhar para o comércio internacional capixaba e ver em que medida este tipo de análise nos remete ao entendimento da dinâmica econômica e que desafios, potencialidades e oportunidades temos à frente.

Em primeiro lugar, a Tabela 1 mostra a posição do Espírito Santo no ranking dos estados exportadores brasileiros, em anos selecionados, de 2001 a 2021. Por aí, percebe-se que, como aqueles ciclos de altas e baixas, aqui também a economia capixaba oscila posicionalmente e não conseguiu sustentar, no tempo, a mesma posição no ranking exportador nacional, sendo ultrapassada por alguns estados, tais como Bahia, Mato Grosso e Pará, que ocupavam posições abaixo do Espírito Santo no início da década de 2000. Os últimos anos apresentam, inclusive, os piores desempenhos do Espírito Santo neste sentido. Na última década, sofrível para a economia capixaba, o estado perdeu 4 posições no ranking dos estados exportadores do Brasil.

TABELA 1 – RANKING E POSIÇÃO DO ESPÍRITO SANTO ENTRE OS ESTADOS EXPORTADORES


20012003200520072009201120132015201720192021
1SPSPSPSPSPSPSPSPSPSPSP
2RSRSMGMGMGMGMGMGRJRJMG
3MGMGRSRSRSRJRSRSMGMGRJ
4PRPRPRRJRJRSRJPRPAPAPA
5SCRJRJPRPRPAPRRJRSRSMT
6RJSCBAPAMTPRPAMTMTMTRS
7ESESESSCPAESMTPAPRPRPR
8PABASCBABAMTESESSCSCSC
9BAPAPAESSCBABABABABABA
10MTMTMTMTESSCESSCGOGOES
11AMAMAMGOGOGOGOGOESESGO

Fonte: Elaboração própria através dos dados da SECEX

Quando analisamos as exportações em termos de valores exportados (US$ FOB), entre 2001 e 2021, observamos que os estados do Espírito Santo, Bahia, Santa Catarina e Pará partiram de valores exportados muito próximos entre si (2001). Porém, quando se observa 2021, houve um descolamento do Pará que entra numa trajetória pujante de exportações de minérios, enquanto Espírito Santo, Bahia e Santa Catarina apresentam desempenho também semelhantes.

GRÁFICO 2 – Exportações (US$ FOM Mil) de estados selecionados entre 2001 e 2021

Fonte: Elaboração própria através dos dados da SECEX

Isso nos leva a fazer uma comparação das pautas exportadoras desses estados, a fim de perceber se essas dinâmicas em termos de valor exportado aludem a alguma semelhança entre as pautas exportadoras.

FIGURA 1 – PAUTA EXPORTADORA DE ESTADOS SELECIONADOS EM 2018

Fonte: Elaboração própria através dos dados da SECEX

Daí, observa-se que, em termos de comércio internacional, o valor exportado pelo Espírito Santo é bem próximo do que exportam Bahia e Santa Catarina. Porém, em termos de pauta exportadora, a economia capixaba passa a aproximar-se mais do estado do Pará do que de Santa Catarina, com quem foi historicamente comparado.

Como pode ser visto na Figura 1, as exportações capixabas foram e continuam sendo de produtos de baixa complexidade, sem desenvolvimento de elos encadeadores na economia. As políticas de desenvolvimento levadas a cabo no Espírito Santo nas últimas duas décadas, ainda que muito importantes, não foram capazes de diversificar e trazer maior complexidade à economia. Se retornarmos a 2001, será possível ver que a pauta exportadora não mudou significativamente neste período.

Vale a pena, então, fazer um outro tipo de análise voltado para a complexidade dos produtos exportados e os encadeamentos que eles formam na economia, principalmente com base nas proposições do Atlas da Complexidade Econômica, proposto por Hausmann et al. (2014).

Ao desenvolver a abordagem de espaços do produto, Hidalgo e Hausmann (2007) levantaram uma proposição de que uma estrutura produtiva na qual produtos complexos estão localizados na área mais densa e mais central da rede denotam uma maior capacidade de gerar uma dinâmica econômica mais propensa ao desenvolvimento, já que envolve, também, inovação, competências e competitividade no mercado externo.

Ao contrário disso, as estruturas produtivas menos complexas geram produtos localizados na periferia da rede, baseadas em competências menos complexas e em menos inovações.

A proposição dos autores é que os esforços para tornar as exportações mais complexas, movendo-se para o centro da rede, pode repercutir, inclusive em melhoria da sua renda per capita e em melhores contribuições do setor externo ao desenvolvimento da região.

A figura 2 apresenta o espaço de produto – ou grau de complexidade – das exportações dos estados aqui analisados.

FIGURA 2 – ESPAÇO DE PRODUTOS E COMPLEXIDADE DAS ECONOMIAS SELECIONADAS – 2017

Fonte: Elaboração através dos dados da SECEX

Da observação acima, é possível dizer que a concentração das exportações em produtos como petróleo, minério de ferro ou soja leva a uma dinâmica de baixa complexidade, menor encadeamento produtivo e risco de perda de complexidade econômica futura. Nesse sentido, a economia capixaba novamente se aproxima mais da economia do Pará do que as da Bahia e Santa Catarina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na perspectiva aqui analisada, a mudança estrutural de uma economia deve ser orientada pelo aumento da participação de produtos sofisticados (embarcados com tecnologia e serviços avançados) no total produzido e exportado. O estado possui plantas industriais importantes para a geração de renda por meio das exportações, o que é um ponto forte da nossa economia. No entanto, nos últimos 20 anos não evitamos cair na armadilha da zona de conforto de ter sustentado uma posição, em alguns períodos, relativamente confortável no ranking dos estados exportadores alicerçados numa pauta altamente concentradora de commodities.

O estudo da história econômica capixaba revela que apenas recentemente se envidou uma busca continuada e persistente pela sofisticação econômica do Espírito Santo. Nos últimos anos observamos algumas políticas influindo nas bases econômicas, com ações es estratégias necessárias para o desenvolvimento das capacidades requeridas para a sofisticação futura. Resta consolidar e aprofundar tais ações. Algumas dessas políticas, ações e movimentos para sofisticação e inovação no Espírito Santo serão analisadas no próximo texto.

REFERÊNCIAS

HIDALGO, César A.; HAUSMANN, Ricardo. The building blocks of economic complexity. proceedings of the national academy of sciences, v. 106, n. 26, p. 10570- 10575, 2007.

HAUSMANN, Ricardo et al. The atlas of economic complexity: Mapping paths to prosperity. MIT Press, 2014.

INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES. Pib Trismestral do Espírito Santo – 1º Trimestre 2022. IJSN: Vitória, 2022.

SECRETARIA ESPECIAL DE COMÉRCIO EXTERIOR E ASSUNTOS INTERNACIONAIS – SECEX. Balança Comercial e Estatísticas do Comércio Exterior. Disponível em www.gov.br/comercioexterior . Acesso em set. 2022

Leave a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *