Observatório do Desenvolvimento Capixaba

A Incorporação da Secretaria de Desenvolvimento (SEDES) à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional (SECTI): desafios e possibilidades para o desenvolvimento capixaba

Enquanto pesquisadores do desenvolvimento do Espírito Santo, o Observatório do Desenvolvimento Capixaba (ODC) tem acompanhado de perto as movimentações anunciadas pelo Governo do Estado referentes à incorporação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento (SEDES) à Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Educação Profissional (SECTI)/Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação (FAPES), criando a Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia, Inovação, Educação Profissional e Desenvolvimento Econômico (SECTIDES). Esta nota analisa esse movimento à luz da criação e curso das atividades dessas Secretarias e das possibilidades de impacto no desenvolvimento do Espírito Santo.

A SEDES foi criada em 1991, período marcado pela consolidação da globalização, mas também por fortes crises econômicas, principalmente nos países emergentes como o Brasil, com repercussões já conhecidas sobre a competitividade e a estrutura das indústrias brasileiras. Nesse contexto, a Sedes foi criada com uma série de atribuições, dentre as quais destacamos a promoção do desenvolvimento no Espírito Santo; a modernização do seu parque industrial; a promoção do estado no Brasil e no exterior a fim de atrair iniciativas comerciais e industriais para o solo capixaba e a política de desenvolvimento regional do estado.

Para cumprir suas atribuições, a Sedes possui, vinculadas a sua estrutura, um conjunto de instituições fundamentais para o desenvolvimento do Espírito Santo, dentre os quais o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), a Agência de Desenvolvimento das Pequenas Empresas e do Empreendedorismo (Aderes), o Instituto de Pesos e Medidas do Espírito Santo (Ipem) e a Agência de Regulação de Serviços Públicos do Espírito Santo (Arsp).

Já a SECTI/FAPES foram criadas em junho de 2004 no período de crescimento da institucionalização do financiamento às atividades de C,T&I no país por ocasião das Políticas de Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE); da Lei de Inovação; da criação e expansão dos incentivos diretos e indiretos às atividades de inovação, entre outros.

A unificação dessas secretarias traz um conjunto de oportunidades cruciais para o estado mas, ao mesmo tempo, um conjunto de desafios que não pode ser menosprezado. Abaixo, listamos alguns deles.

1 –  Não se pode mais falar em desenvolvimento sem ciência, tecnologia e inovação. Por outro lado, essas atividades precisam ter, como meta, o bem-estar das pessoas e o desenvolvimento de determinada região / setor.

Ciência, tecnologia e inovação são fundamentais para ampliar a competitividade de uma região ou de um setor da economia. Por isso, essas atividades estão umbilicalmente relacionadas ao desenvolvimento. Por esse lado, nada há de estranho na junção das duas secretarias e é uma oportunidade para que tais temas sejam tratados de forma convergente.

A baixa articulação entre as duas secretarias era notória e a unificação surge como bem- vinda, desde que, de fato, ciência, tecnologia e inovação seja central na pauta do desenvolvimento e não apenas um “adendo” da antiga Sedes. Um olhar mais atento ao novo organograma da SECTIDES (anexo a esta Nota) mostra que agora ciência, tecnologia e inovação é uma subsecretaria e nada sugere que será a vetora do processo de desenvolvimento.

A desarticulação que preponderou até aqui acabou por levar a uma situação em que essas agendas foram, por muito tempo,  tratadas de formas separadas. Além disso, o baixo protagonismo da SECTI levou a uma situação em que não se tinha muito claro qual era a real política de ciência, tecnologia e inovação do estado e, na falta dessa definição, foi a FAPES quem, em algum sentido, pautou esses temas no Espírito Santo, parecendo até, em alguns casos,  ter relativa autonomia em relação à SECTI. Há que se cuidar para que a reestruturação em curso não reforce o baixo protagonismo das atividades de C,T&I na pauta de desenvolvimento do estado.

Alguma conexão entre inovação e desenvolvimento parece ter voltado à discussão com a criação da Mobilização Capixaba para a Inovação (MCI), numa institucionalidade explicitamente voltada para o mundo empresarial e produtivo que, até o momento, parece funcionar bem. Mas esse é só um lado. A nova SEDES precisa ir além disso.

Não se pode pensar em ciência, tecnologia e inovação apenas do lado produtivo e empresarial. Nem mesmo olhar para o mundo científico isoladamente. Há tecnologias sociais e inovações sociais que são pilares essenciais ao desenvolvimento. Há pautas de caráter social ligadas às tecnologias e à inovação que pouco foram tratadas por essas secretarias.

A mudança de olhar é premente.

Quando se olha para o interior do estado e mesmo para as áreas mais periféricas da Metropolitana, não é a tecnologia de ponta e as inovações da fronteira tecnológica que são demandadas. São as inovações sociais voltadas para a melhoria das condições de vida da comunidade. A nova SEDES precisa estar atenta a essas demandas. As incubadoras sociais (geralmente com as iniciativas da UFES / IFES e de outros coletivos sociais) já entenderam isso. Cabe à nova SEDES apoiar ações nesse sentido em todo o Espírito Santo.

2 – O desenvolvimento do Espírito Santo foi, historicamente, pautado por uma agenda muito longe da inovação.

O desenvolvimento no estado foi, historicamente, pautado por uma agenda muito longe da inovação. E há pessoas que apontam essa fragilidade há pelo menos 30 anos e pouco foram ouvidas. Mas essas vozes se juntaram a outras e outras e não há como ignorar o fato: o desenvolvimento do estado precisa ser consolidado a partir de uma pauta em que o conhecimento, a inovação e a tecnologia como vetores de transformação. Este é um grande desafio que ainda precisa ser enfrentado.

Os grandes projetos e as constantes inovações de processos que realizam continuarão imporantes, mas o Espírito Santo precisa ser contemporâneo de um novo paradigma baseado na indústria 4.0, na IOT, na inteligência artificial, na eletromobilidade e pouco se viu dessa pauta. O advento das startups capixabas é um bom sinal de que há algo acontecendo, mas ainda de forma muito tímida. Das mais de 13 mil startups registradas na Associação Brasileira de Startups (ABSstartups), apenas 130 são capixabas, muito distante da meta estabelecida pelo MCI de alcançar 1.000 startups no estado até 2030. Esse ecossistema precisa agora, com esforço da nova SEDES, alcançar outros setores estratégicos para a economia do Espírito Santo.

3 – É preciso colocar mais ciência na SEDES e colocar mais setor produtivo na SECTI.

De uma forma geral, a SEDES nunca foi local de livre trânsito para os pesquisadores capixabas. Por outro lado, a SECTI pouco serviu como casa e espaço para o setor empresarial. A esperança é que com a nova SEDES esse separatismo esteja com os dias contados.

Mais do que isso, ciência, tecnologia e inovação precisa também permear todas as outras atividades produtivas, mesmo que objetos de outras secretarias: da agricultura,  do turismo, da cultura, do meio ambiente. As ações devem estar conjuntamente pautadas por diretrizes claras voltadas para a adoção de novas tecnologias, para inovações e para ciência. O estabelecimento de diretrizes de inovações que conectem todas as secretarias seria essencial. Além disso, por que não haver um braço científico em cada secretaria? O alinhamento e estreitamento entre o setor produtivo e o científico só pode trazer bons resultados para o Espírito Santo.

Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento precisam fazer parte da discussão de todas as Secretarias, dos representantes no Legislativo e Executivo e da população. Atualmente essa discussão é ausente. Isso pode ser percebido pela rapidez da aprovação da Lei Complementar 963 que promoveu a incorporação da SEDES à SECTI. Observou-se total ausência de debate em torno desse rearranjo institucional e qual seu impacto para o desenvolvimento do Espírito Santo.

4 – As atividades de atração de empresas são importantes. Mas é preciso olhar com mais atenção para as economias alternativas.

As  ações e a operacionalização de incentivos fiscais como Compete e Invest, a gestão dos pólos industriais, as visitas às diversas regiões (inclusive ao exterior) para atração de investimentos produtivos para o solo capixaba são essenciais para a economia do Espírito Santo. Isso tem significado a chegada de empresas e setores que, até pouco tempo, eram uma realidade distante. Hoje temos indústria de ônibus, placas de madeira, café solúvel e outros novos setores econômicos. Como por muito tempo a SEDES foi conduzida por pessoas vindas de grandes empresas, a atração de novos negócios foi, nesse tempo, a lógica dominante. Mas não se pode parar por aí.

Há regiões capixabas com baixo poder de atração de grandes empresas, principalmente as regiões mais distantes das rodovias federais. A falta de logística adequada, de redes de comunicação  e de mercado de trabalho diversificado, faz com que essa regiões sejam preteridas e nem mesmo fazer parte da Sudene tem significado atração de investimentos em algumas regiões. Os investimentos anunciados pouco fogem da lógica BR/Litoral. Por isso, é preciso que a nova SEDES olhe para tais regiões em que as economia alternativas (de pequeno porte, ligadas à economia criativa, economia solidária e turismo comunitário) sejam valorizadas. O desenvolvimento, nessas localidades, passa necessariamente, por essas novas formas de organização econômica. E nem sempre são empresas formalizadas. E apesar do papel da ADERES ser importante, é insuficiente. É preciso, nesse sentido, dar mais corpo a Aderes e criar vínculos mais claros com as secretarias de cultura e de turismo para olhar para essas regiões com mais cuidado e dedicação.

5 – A política de desenvolvimento regional é primordial.

O desenvolvimento capixaba, além de pouco pautado pela inovação, é historicamente desigual em termos regionais. Nesse sentido, a Política de Desenvolvimento Regional Sustentável precisa ser robusta para levar às diferentes regiões do estado capacidade endógenas de desenvolvimento, de retenção de renda local e de geração de bem-estar para as diversas comunidades nas microrregiões capixabas.

6 – Ainda falta integrar a sustentabilidade ambiental.

Se a unificação entre desenvolvimento e ciência e tecnologia é importante – e esse passo foi dado – é preciso ainda integrar outra vertente imprescindível: ciência, tecnologia, inovação e desenvolvimento já não andam sozinhos e a eles se agregaram todas as discussões em torno da sustentabilidade ambiental. Não há mais espaço para se crescer a qualquer custo ambiental. O meio ambiente é um potencial, mas também parâmetro que não pode ser esquecido nas estratégias de desenvolvimento. E tais temas apareceram apenas de forma marginal nas duas secretarias separadas. Nesse sentido, ainda é preciso trazer para essa articulação as Secretarias de Meio Ambiente e a Secretaria de Agricultura, visto que a agricultura é a atividade econômica mais importante em maioria dos municípios capixabas.

7 – Uma política forte de desenvolvimento, ciência, tecnologia e inovação.

A política de ciência, tecnologia e inovação do Espírito Santo não pode ter apenas um lado voltado para o setor empresarial e produtivo, embora seja fundamental o trabalho desenvolvido pela (MCI), capitaneada pela Findes.

O Estado, e nesse sentido, a nova SEDES precisa ser protagonista de uma política de C,T,&I mais ampla que atenda à demanda dos setores podutivos, sociais e também da academia.

O estado já mostrou para o mundo que investimentos persistentes em ciência e tecnologia melhoram a produtividade do café, da fruticulturam etc. A agricultura é a base econômica de mais de 2/3 dos municípios, sendo necessária uma agenda de desenvolvimento para o setor baseada na ciência, na tecnologia e na inovação no campo. Desenhar políticas para consolidar e modernizar a agricultura familiar (relevante no Espírito Santo) como parte de uma estratégia para estimular o desenvolvimento rural, dando um salto na direção de uma civilização moderna baseada na biomassa (biodiversidade-biomassa-biotecnologia). E esse papel não cabe unicamente à SEAG e ao Incaper. As instituições de ensino, pautadas por uma lógica de desenvolvimento capitaneada pela SEDES, já contribuem e têm muito a continuar a contribuir.

Esse protagonismo ainda não coube a nenhuma das duas secretarias separadamente e a fusão é uma grande janela de oportunidade nesse sentido.

8 – A lógica integrada entre FAPES e Bandes

Os braços financeiros FAPES e Bandes também têm, nesse momento, a oportunidade de estreitar suas ações, também historicamente afastadas. É preciso compartilhar ações voltadas para integração da ciência, tecnologia e inovação em todas as estratégias do Bandes. Além disso, uma robusta estratégia de desenvolvimento passa, necessariamente, por uma estratégia, também robusta, de financiamento. De executor da política de crédito tradicional, o Bandes precisa retomar sua origem de ser um banco de desenvolvimento dos capixabas. Para isso, precisa avançar como estruturador de projetos e gerenciador da indústria de fundos de investimentos como private equity para startups, empresas de base tecnológica e alavancar a participação acionária em empresas, através do Bandes Participações.

9- Fortalecer as empresas capixabas para que sejam atores competitivos nos mercados nacionais e globais

A nova Secretaria de Desenvolvimento deve ter um olhar atento para a inserção das empresas locais nos mercados nacionais, especialmente o mercado global. As grandes empresas industriais hoje localizadas no Espírito Santo precisam ser fortalecidas e as pequenas e médias estruturadas para competir. Isso requer uma estrutura de financiamento robusta como ressaltado anteriormente. As startups capixabas precisam acessar novos mercados e não há outra saída a não ser com robustos e perenes investimentos em C,T&I.

Uma transformação na estrutura produtiva do estado com maior participação dos segmentos de indústria e serviços mais sofisticados na formação da riqueza capixaba só é possível via ciência e tecnologia. Uma das metas da MCI para 2030 é ter 20% das empresas de tecnologia e inovação entre as 200 maiores empresas capixabas, o que representará uma possibilidade de mudança na estrutura produtiva do estado com a inserção dessas empresas nos mercados globais e a Sedes precisa ter papel ativo nessa mudança.

10 – Ciência, tecnologia e inovação para a retomada pós-pandemia.

A literatura econômica possui um volume considerável de evidências empíricas do papel crucial dos Estados na retomada do desenvolvimento pós crises. No Espírito Santo em tempos de Covid-19 não será diferente.  Os desafios enfrentados em todos os setores da economia são significativos.

A pandemia do Coronavírus ampliou as desigualdades sociais e agravou as condições de vida das populações mais vulneráveis. Há que se fazer um esforço imenso para retomar o desenvolvimento do estado e garantir melhores condições de vida para a população. Nesse sentido, C,T&I precisa ter um papel central. Os programas de ciência, tecnologia e inovação precisam de alguma forma contemplar os grupos mais vulneráveis. Nos Estados Unidos, o Small Business Innovation Research (SBIR), programa público de apoio a micro e pequenas empresas de base tecnológica, privilegiam o apoio governamental a empresas lideradas por mulheres e demais grupos vulneráveis.

Ademais, articular os investimentos em infraestrutura de saúde, fortalecer os serviços já existentes em telemedicina, investir em tecnologias para a educação, garantir serviços inteligentes de segurança, de integração da rede logística, são exemplos de investimentos que dependerão da liderança de uma Secretaria de Desenvolvimento no pós-pandemia.

De tudo o que foi colocado, o impacto da mudança institucional anunciada poderá ser profundo se junto com a mudança vier a ousadia reorientar o desenvolvimento do estado para os vetores de ciência, tecnologia e inovação. Ou terá efeito modestos, se a unificação for pautada apenas em acomodações político partidárias, visando a nova disputa eleitoral que virá em 2022.

Anexo 1 – Organograma da SECTIDES
Fonte: Dio-ES, 11 de Março de 2021.

O Observatório do Desenvolvimento Capixaba agradece a todos que contribuíram com seus olhares:  Arlindo Villaschi, José Antônio Boff Buffon, Luiz Paulo Velloso Lucas, Guilherme Henrique Pereira, Robson Grassi, Jorge Junior, Gustavo Soares e Adriana Rigoni. Evidentemente, como de praxe, não os comprometemos com as opiniões aqui expostas.

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