[…] Não é surpreendente, que a adoção da austeridade fiscal como elemento central da política econômica brasileira, implantada pelos governos a partir de 2016, não tenha trazido benefícios, nem para o crescimento econômico, nem para o desenvolvimento econômico. Infelizmente, o governo atual parece determinado a prosseguir por esse caminho, mesmo sendo confrontado, dia após dia, por maus resultados. Dessa forma, sob o entendimento dos conceitos analisados, a tendência, em marcha, é de agravamento da crise
Após a eclosão da crise econômica mundial, em 2008, o Brasil esteve bem encaminhado em seus aspectos econômicos (vide a matéria de capa da prestigiada revista britânica, The Economist – “Brazil takes off”, em novembro de 2009). Porém, algumas questões, internas e externas, levaram o país a uma nova situação, muito mais desfavorável (vide uma outra matéria de capa, da mesma revista, The Economist – “Has Brazil blown it?”, em setembro de 2013). Foram necessários, portanto, apenas quatro anos para que um cenário econômico de “céu de brigadeiro” se tornasse “nublado, sujeito a fortes chuvas e trovoadas”. Desde então, não houve mais vislumbre positivo e duradouro sobre a situação econômica brasileira. Explicar sobre o que prejudicou a economia brasileira nos últimos anos, de forma completa, é uma tarefa da ordem do impossível devido a infinidade de fatores influentes, a complexidade das relações entre esses fatores e, principalmente, a ocorrência de narrativas antagônicas sobre os fatos ocorridos durante o período. Para tornar essa tarefa possível, foi necessário delimitar o espaço de análise, ou seja, escolher entre possíveis recortes. O lugar de análise escolhido para possibilitar a execução dessa tarefa, se utilizou dos conceitos: crescimento econômico, desenvolvimento econômico e austeridade fiscal.
O conceito de crescimento econômico é quantitativo, simples de se definir e de se mensurar. Pode ser definido como o crescimento do produto agregado de uma região medido em determinado intervalo de tempo. Uma forma bastante difundida de se mensurar o crescimento econômico é a que calcula a diferença entre o PIB (Produto Interno Bruto) de dois períodos. O crescimento econômico do Brasil, após a crise econômica mundial de 2008, alternou dois cenários bem distintos. O primeiro cenário permaneceu por apenas dois anos e impressionou, positivamente, os analistas mundiais. Nesse cenário, apenas no ano de 2010, o PIB brasileiro cresceu mais de 7%. A economia do Brasil demonstrava ter encontrado um caminho que a levaria ao seleto grupo dos países desenvolvidos. Mas, após esses dois anos de prosperidade, cercada por um cenário externo desfavorável e acometida por turbulências políticas internas, a economia brasileira manteve-se em baixo ritmo de crescimento. Esse cenário, que permanece até a atualidade, incluiu, até mesmo, variação negativa do PIB, em mais de 3%, por dois anos seguidos (2015 e 2016).
O conceito de desenvolvimento econômico é qualitativo, mais complexo de se definir e de se medir. As definições aceitas do conceito incluem a melhoria da qualidade de vida das pessoas, a equidade no acesso à saúde e à educação, bem como, incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica. O IDH (índice de Desenvolvimento Humano) tem sido referência no que diz respeito à mensuração do desenvolvimento econômico, apesar de bastante criticado por deixar de levar em conta dados referentes à ecologia e à sustentabilidade. A evolução do IDH brasileiro, também, apresentou dois cenários distintos, embora, a duração de cada um deles tenha ocorrido de forma diferenciada em relação ao crescimento econômico. O primeiro cenário de variação do IDH foi bastante positivo. O IDH, saindo de 0,718, em 2009 e chegando a 0,757 em 2015. Se esse ritmo de evolução fosse mantido, o Brasil acessaria uma nova faixa de IDH, saindo da faixa de IDH alto, para a faixa de IDH muito alto. Porém, um cenário bem menos promissor de evolução do desenvolvimento econômico brasileiro se apresentou a partir de 2016 e não mais se recuperou. O IDH mais atual do Brasil, apresentado em 2019, foi de 0,761.
Analisando os dois aspectos, crescimento econômico e desenvolvimento econômico, fica clara a existência de um descompasso cronológico. Enquanto o crescimento econômico teve bons resultados entre 2009 e 2013 e maus resultados entre os anos de 2014 e 2019, os bons resultados do desenvolvimento econômico permaneceram por mais tempo, tendo sua evolução prejudicada, apenas a partir de 2016. Dessa forma, apesar de terem óbvios laços comuns em sua constituição, os conceitos de crescimento econômico e desenvolvimento econômico podem caminhar, sob ritmos diferentes. O primeiro respondendo, diretamente, a evolução da riqueza produzida por uma sociedade e o segundo resultando da capilarizarão da riqueza que oportuniza o acesso de mais indivíduos a melhores condições de vida. Assim sendo, há possibilidades de escolhas governamentais que resultem na priorização do crescimento em detrimento ao desenvolvimento econômico e vice-versa. Essas escolhas se tornam realidade por meio das políticas econômicas: fiscal, monetária e cambial. No Brasil, ao se analisar o uso dessas políticas, pode-se afirmar que, embora todos os governos do Brasil, desde o ano de 1999, tenham adotado o chamado “tripé macroeconômico” (câmbio flutuante, metas fiscais e metas de inflação), a denominada “austeridade fiscal” tornou-se o elemento central para o combate da crise econômica, nos dois últimos governos (Temer/ Meirelles e Bolsonaro/Guedes).
O conceito de austeridade fiscal diz respeito a manutenção dos gastos abaixo das receitas estatais. Existem diversas formas de se fazer ajustes econômicos que levem a austeridade fiscal, todos levam em consideração alterações na tributação e/ou nos gastos públicos. A partir de 2016, o conceito de austeridade fiscal tem sido tema central para os governos brasileiros no que se refere às estratégias destinadas a debelar a crise econômica (vide a Emenda Constitucional 241/2016 que congelou os gastos públicos por 20 anos e as Reformas Trabalhista e Previdenciária). Embora, seja quase uma unanimidade entre a atual ala dominante da política brasileira, a austeridade fiscal não parece ter resultado em algo positivo para o Brasil. Certamente, como preconizado por John Maynard Keynes, o momento para equilibrar o orçamento fiscal é na fase de alto crescimento econômico, quando a atividade econômica está fortalecida e os capitalistas estão encorajados a assumir riscos. Portanto, não é surpreendente, que a adoção da austeridade fiscal como elemento central da política econômica brasileira, implantada pelos governos a partir de 2016, não tenha trazido benefícios, nem para o crescimento econômico, nem para o desenvolvimento econômico. Infelizmente, o governo atual parece determinado a prosseguir por esse caminho, mesmo sendo confrontado, dia após dia, por maus resultados. Dessa forma, sob o entendimento dos conceitos analisados, a tendência, em marcha, é de agravamento da crise.