Ednilson Felipe – Érika Leal – Observatório do Desenvolvimento Capixaba
Introdução
As últimas décadas deixam evidente que a economia do Espírito Santo enfrenta desafios semelhantes à economia nacional, tanto em termos da dificuldade de superar baixas taxas crescimento (o pib per capita do Espírito Santo cresceu – anualmente apenas 0,06% entre 1985 e 2020 (MORCEIRO e TOLEDO, 2023)) quanto em termos dos desafios de diminuição da pobreza e da pobreza extrema.
Por um lado, as dificuldades de alçar patamares mais elevados de crescimento são diagnosticadas por vários pesquisadores / relatórios / estudos no estado que, embora com visões diferenciadas, apontam (1) para a rigidez da estrutura produtiva capixaba, levando à dependência de poucos setores como determinantes da dinâmica da economia; (2) para a necessidade de aumento da complexidade econômica (produtiva e exportadora) e (3) para o fato de que o Espírito Santo ainda precisa estabelecer alguns consensos para nortear um novo ciclo de desenvolvimento, para além da comparação da sua taxa de crescimento com a taxa nacional.
Por outro lado, o fato de o Brasil ter voltado ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas e de que os dados da pobreza e extrema pobreza1 cresceram significativamente em 2021, apontam para novos desafios: (1) a pobreza, à luz da contribuição de Sen (2000) é um obstáculo significativo ao desenvolvimento; (2) os programas de transferência de renda são, por si só, insuficiente e incapazes de serem os vetores da eliminação da pobreza; (3) a pobreza e extrema pobreza são fatores de esgarçamento do tecido social de determinada região e impedem, ou dificultam muito, o estabelecimento de relações de reciprocidade e (4) há interrelações complexas entre a pobreza, extrema pobreza, baixa nas condições de saúde e surgimento de doenças e ainda um baixo desempenho escolar e na formação de pessoas.
Essa situação parece ter sido ainda mais agravada no Brasil – e no Espírito Santo – nos últimos anos, dentre outras coisas em função da (a) profunda instabilidade política e econômica vivida pelo Brasil nos últimos anos; (b) baixo crescimento econômico com recrudescimento da capacidade de geração de emprego, agravando a taxa de desempregados e desocupados; (c) retorno a patamares mais elevados de inflação (com reflexos nos preços básicos: alimentação e gás de cozinha) e (d) problemas relacionados à pandemia da Covid-19, agravados pelos atropelos por parte do Governo Federal na gestão da pandemia, atrasando, ações mais concretas que poderiam – e deveriam – ser tomadas na direção da imunização da população.
Por isso, mais do que “sair da zona de conforto” é preciso perceber que a conjunção desses fatores torna ainda mais complexas as condições em que as políticas públicas apresentem resultados concretos e de melhora nas condições de vida das pessoas, apontando para a redução do nível de pobreza e de extrema pobreza no Espírito Santo.
O objetivo desse artigo é mostrar o comportamento da pobreza e da extrema pobreza no Espírito Santo, nos últimos anos, as ações que foram e vêm sendo tomadas pelo governo estadual e, também, apontar para desafios e oportunidades que surgem no combate a essa situação, em conformidade com os Objetivos do Desenvolvimento Sutentável (ODS).
1 Considera-se pobres pessoas vivendo com até R$ 486,70 per capta mensais e extremamente pobres as aqueles vivendo com renda per capita de até R$ 168,13 (IJSN, 2022)
1 – OBJETIVO 1 DOS ODS – ERRADICAR A POBREZA
A primeira proposição de políticas públicas de desenvolvimento deve ser pautada em conformidade com o Objetivo 1 dos ODS: erradicar a pobreza. Isso significa que as políticas públicas devem apontar, necessariamente para o cuidado com a sociedade e estabelecer meios para que as pessoas alcancem a condição de sobrevivência com dignidade. A pobreza e a extrema pobreza, além de se apresentarem como obstáculos ao desenvolvimento ferem, de forma significativa a dignidade humana.
QUADRO 1 – OBJETIVO 1 DOS ODS: ERRADICAR A POBREZA: METAS DA ONU E DO BRASIL
Meta | NAÇÕES UNIDAS | BRASIL |
1.1 | Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, atualmente medida como pessoas vivendo com menos de US$1,25 por dia. | Até 2030, erradicar a pobreza extrema para todas as pessoas em todos os lugares, medida como pessoas vivendo com menos de PPC$3,20 per capita por dia |
1.2 | Até 2030, reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo com as definições nacionais. | Até 2030, reduzir à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de todas as idades, que vivem na pobreza monetária e não monetária, de acordo com as definições nacionais. |
1.3 | Implementar, em nível nacional, medidas e sistemas de proteção social adequados, para todos, incluindo pisos, e até 2030 atingir a cobertura substancial dos pobres e vulneráveis. | Assegurar para todos, em nível nacional, até 2030, o acesso ao sistema de proteção social, garantindo a cobertura integral dos pobres e das pessoas em situação de vulnerabilidade. |
1.4 | Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e vulneráveis, tenham direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso a serviços básicos, propriedade e controle sobre a terra e outras formas de propriedade, herança, recursos naturais, novas tecnologias apropriadas e serviços financeiros, incluindo microfinanças. | Até 2030, garantir que todos os homens e mulheres, particularmente os pobres e as pessoas em situação de vulnerabilidade, tenham acesso a serviços sociais, infraestrutura básica, novas tecnologias e meios para produção, tecnologias de informação e comunicação, serviços financeiros e segurança no acesso equitativo à terra e aos recursos naturais. |
1.5 | Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais. | Até 2030, construir a resiliência dos pobres e daqueles em situação de vulnerabilidade, e reduzir a exposição e vulnerabilidade destes a eventos extremos relacionados com o clima e outros choques e desastres econômicos, sociais e ambientais. |
Fonte: IPEA (2020)
2 – OS DADOS DA POBREZA NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO
A tabela abaixo mostra que em números absolutos, as estimativas apontam que o número de pobres no Espírito Santo saltou de 788.414 em 2012 para 1.079.124 em 2021 e que o número de extremamente pobres saltou de 96.696 em 2012 para 274.606 (IJSN, 2022). A tabela evidencia que os números subiram abruptamente no último ano da tabela, principalmente em função da pandemia Covid-19 e os outros agravamentos como já foi colocado anteriormente.
TABELA 1 – NÚMERO DE POBRES E EXTREMAMENTE POBRES NO ESPÍRITO SANTO 2012 – 2021
Espírito Santo | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 |
Pobres | 788.414 | 815.379 | 766.343 | 848.918 | 918.671 | 874.443 | 866.903 | 809.207 | 757.328 | 1.079.124 |
Extremamente Pobres | 96.696 | 122.295 | 119.985 | 142.521 | 174.170 | 200.428 | 161.306 | 144.663 | 154.190 | 274.606 |
Fonte: IJSN (2022)
O gráfico 1, abaixo, apresenta o percentual de pessoas pobres no Brasil e no Espírito Santo. Especificamente em relação ao estado, o percentual apresentava redução desde 2016 até 2020 mas saltou significativamente em 2021, à mesma lógica da situação brasileira.
GRÁFICO 1 – PERCENTUAL DE PESSOAS POBRES NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO – 2012 A 2021
Fonte: IJSN (2022)
A Evolução do percentual de pessoas extremamente pobres no Espírito Santo aumentou de 2012 até 2017, caiu entre 2018 e 2019 e voltou a subir de forma significativa em 2021.
É significativo o fato de embora a pobreza estivesse caindo (gráfico 1), a extrema pobreza permaneceu aumentando desde 2012, mostrando que os malefícios de crises políticas e econômicas – que já vinham caracterizando o cenário desde esse período, como já mostrou o Observatório do Desenvolvimento Capixaba em textos anteriores – atingem diretamente essa população e que as políticas de transferência de renda não têm, por si só, a capacidade de arrancar essas pessoas dessas condições.
GRÁFICO 2 – PERCENTUAL DE PESSOAS EXTREMAMENTE POBRES NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO – 2012 A 2021
Fonte: IJSN (2022)
3 – AS AÇÕES DO ESTADO E OS DESAFIOS PARA ERRADICAÇÃO DA POBREZA, DESAFIOS E PONDERAÇÕES DO OBSERVATÓRIO DO DESENVOLVIMENTO CAPIXABA
São inúmeras e importantes as ações que vem sendo empreendidas pelo Governo Estadual, nos últimos anos, com o objetivo de reduzir os percentuais de pobres e extremamente pobres no Espírito Santo, além de reforçar o sistema capixaba de proteção social. Embora não seja o objetivo explicar e analisar cada uma dessas ações, vale a pena destacar:
OCartão ES Solidário | Programa Compra Direta de Alimentos – CDA |
Bolsa Capixaba | Rede de Equipamentos Socioassistenciais |
Embora esses Programas sejam extremamente relevantes, é preciso ponderar que:
- Para enfrentar o problema da pobreza e da extrema pobreza, não bastam aumentos temporários no valor dos benefícios. É necessário uma amplo esforço para incluir nesses programas as famílias que ainda não fazem parte, eliminar os erros de cadastro que ainda permitem que pessoas não necessitadas recebam tais benefícios, mas que, acima de tudo, sejam garantidos, de forma estrutural, os recursos para a sustentabilidade financeira dos programas que muitas vezes são interrompidos por falta de continuidade de orçamento;
- A pobreza e a extrema pobreza possuem fundamentações históricas e sociais e é preciso que os investimentos do Estado, mesmo que apresentem valores crescentes nos últimos anos, precisam ser direcionados para setores / atividades / rubricas que gerem oportunidades de emprego mais rapidamente para essa parcela da população;
- A pobreza não é apenas falta de recursos monetários, mas, conforme aponta Sen (2000) se constitui, também, de limitação na capacidade de tais pessoas transformarem recursos em condições de vida, passando, necessariamente por sua capacitação. Por essa ótica, os investimentos numa rede de formação profissional a que essas pessoas possam ter acessos (porque nem sempre o têm a rede formal de educação) é fundamental para a erradicação da pobreza;
- Desde os primeiros anos década passada, o Governo Estadual tem priorizado a manutenção de recursos em caixa, perseguindo a Nota A na gestão fiscal. Embora os investimentos venham aumentando, eles podem alcançar valores ainda mais significativos, importantes para alçar novos patamares de crescimento e contribuir para a erradicação da pobreza. A manutenção de uma nota A em termos de finanças não pode ser compatível com o aumento da pobreza. Ainda há espaço para usar o poder de compra do governo para dinamização da economia e de aumentar a oportunidade para essa camada da população. Para o ano de 2018, a participação do Consumo do Governo na demanda final do ES foi de apenas 9,3%, penúltima colocação numa comparação dos estados brasileiros (MORCEIRO e TOLEDO, 2023);
- As políticas de ampliação da renda e de erradicação da pobreza e da extrema pobreza passam, também, pela melhoria da infraestrutura em todas as microrregiões capixabas. Os investimentos em Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) também são importantes, mas são, no caso capixaba, extremamente baixos: a participação da FBCF na demanda final do estado foi, em 2018 de apenas 7,6%, deixando o Espírito Santo em 24º lugar entre os estados. Por outro lado, a FBCF em relação ao PIB foi de apenas 14%, também em 2018 (MORCEIRO e TOLEDO, 2023). Tais níveis de investimentos são consideravelmente baixos para gerar dinâmica econômica que alcancem a população mais pobre visto que pelo lado da produção econômica, a dinâmica alcança, primeiro os mais qualificados;
- As mudanças advindas das novas condições sanitárias pós covid-19, de novas realidades tecnológicas, de funcionamento do mundo do trabalho e das relações produtivas na economia podem significar que os programas de transferências de renda precisam ser remodelados para se adequarem ao ‘novo normal’. Assim, vale a pena envidar esforços para pesquisas e estudos para se verificar a efetividade de tais programas e novas funcionalidades que possam atender, já que a sociedade e as relações de consumo estão em constantes mudanças.
Considerações Finais
Assim como o governo brasileiro estabeleceu metas específicas para a erradicação da pobreza até 2030, seria importante que o governo estadual também estabeleça tais metas e que a acompanhe periodicamente para que as políticas públicas possam ir se ajustando conforme os resultados. Vale dizer que também é preciso considerar que os diversos programas estaduais ligados à erradicação da pobreza possam ser pensados e coordenados de forma conjunta, dada a concomitância dos resultados. Para além disso, é preciso envidar novos esforços já que é claro e certo de que os programas de transferência de renda são – e tem se mostrado – insuficientes para a eliminação da pobreza. Há clareza de que muito tem sido feito e com méritos. Porém, os dados crescentes de pobreza apontam que as ações precisam ser ajustadas e recalibradas para que os resultados possam ser ainda mais efetivos.
Referências:
INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS APLICADAS – IPEA. 2020. ODS: estratégias para fortalecer a implementação. Disponível em https://www.ipea.gov.br/ods/. Acesso em fev. 2023.
INTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES – IJSN. Evolução da pobreza no Brasil e no Espírito Santo entre 2012 e 2021. Vitória, IJSN: 2022.
MORCEIRO, P; TOLEDO,V. Motores do crescimento estadual pelo lado da demanda. 2023. Disponível em www.valoradicionado.wordpress.com Acesso em fev. 2023.
SEM, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das letras: 2000.