A crise causada pela pandemia da Covid-19 se sobrepôs às modestas taxas de crescimento da economia que já vinham sendo observadas no Brasil e no Espírito Santo. Ao mesmo tempo em que as medidas para reduzir a disseminação da doença tornaram-se mais restritivas e os impactos mais severos, ampliou-se o debate sobre as medidas que poderiam ser adotadas. Como não poderia deixar de ser, o mercado de crédito logo foi apontado como instrumento essencial de estímulo à economia por uma razão simples: a maior disponibilidade de crédito permite a expansão da demanda efetiva e, com isso, garante o crescimento da renda e do emprego.
Apesar da clara relação entre crédito o crescimento, o padrão de funcionamento do mercado de crédito durante crises econômicas anteriores deixou algumas lições importantes que precisam ser consideradas. Nos momentos de crise, a ausência de referências para a formação de expectativas quanto ao futuro induz as instituições bancárias a exercem sua preferência pela liquidez, ou seja, os bancos se tornam mais cautelosos e limitam a concessão de crédito.
A pergunta então é: diante da deterioração do estado de confiança na economia, o que pode ser feito? A resposta tem sido a utilização vigorosa dos instrumentos de política monetária para prover liquidez (redução da taxa de juros básica, redução do compulsório etc.). E essa tem sido a linha de atuação do governo brasileiro: houve redução da taxa de juros para 3,75% a.a. e redução da alíquota de depósitos compulsórios para 17%. Essas medidas representam uma liberação de liquidez de R$ 1,2 trilhão.
Para que essa liberação de liquidez seja efetiva para ampliar os níveis de crédito, é consenso o papel exercido pelos bancos públicos e de desenvolvimento ao atuarem de forma compensatória em relação ao restante do sistema financeiro privado. Além disso, a política monetária isolada, na ausência de um esforço fiscal de ampliação de gastos, não é suficiente para sustentar o emprego e a renda na economia.
No Espírito Santo, várias medidas já foram adotadas pelo governo do estado para amenizar os impactos econômicos da crise (Quadro 1).
A relevância e o alcance das medidas residem principalmente no público diretamente afetado: os pequenos negócios, que sofrem o impacto imediato da redução da circulação pública, e os trabalhadores de renda mais baixa, que em condições normais já possuem pouco acesso à rede de proteção social e que são mais vulneráveis às oscilações dos preços de bens e serviços essenciais.
Porém, um aspecto muitas vezes negligenciado nas discussões sobre o papel do crédito na economia é sua distribuição heterogênea no território e como isso pode reforçar as disparidades regionais.
Na figura 1 é indicada a distribuição do volume das operações de crédito (pessoa física e jurídica) nos municípios do Espírito Santo. Em razão da histórica concentração da renda e da população, as operações de crédito seguem a mesma tendência. Os 8 municípios que se sobressaem no mapa concentram mais de 70% do total do crédito no estado. Na figura 2 é apresentada a relação entre o volume de crédito e o PIB dos municípios, que tem sido utilizado como um importante indicador das condições e da profundidade do mercado de crédito bancário nas regiões. Em 72 dos 78 municípios capixabas, o mercado de crédito é inferior a 50% do PIB, patamar ainda considerado insuficiente. Entretanto, cabe observar que todos os municípios do Espírito Santo contam com pelo menos uma agência bancária.
O aspecto regional ganha relevância no debate porque, em momentos de instabilidade, são os municípios mais periféricos, caracterizados por maior preferência pela liquidez, que apresentam maior restrição financeira em razão dos vazamentos de recursos em direção aos municípios centrais (efeito substituição), atraídos pelas economias de escala, aglomeração, localização e urbanização. Assim, a ampliação da capacidade produtiva nos municípios periféricos fica limitada basicamente ao autofinanciamento das empresas. Além disso, o menor volume de recursos públicos afeta proporcionalmente mais os municípios com maiores parcelas da população dependentes dos serviços públicos básicos.
Por fim, cabe observar o papel do crédito não somente na ampliação do consumo e da renda a curto prazo, mas também em relação à recuperação a longo prazo das regiões. Neste caso, os investimentos em infraestrutura (energia elétrica, logística e saneamento) são importantes para gerar estímulos complementares aos investimentos privados nos demais setores da economia (efeitos multiplicadores) e para aumentar a competitividade regional.
Essas são questões que precisam ser levadas em considerações nas formulações de políticas para que os choques recessivos na economia não potencializem as disparidades regionais.