Nas últimas semanas, girando em torno da discussão sobre o papel dos governos no combate à pandemia provocada pelo Covid-19, muito se tem falado sobre o retorno às bases e proposições keynesianas para o estímulo à economia. Em contraponto às ideias liberais de redução do tamanho e do papel do Estado, os keynesianos advogam a incapacidade do mercado em lidar com crises desse tipo, abrindo espaço de intervenção do Estado para a resolução dos problemas e a re-estabilização das condições de funcionamento da economia a partir da injeção de recursos públicos.
Gostaríamos, para este momento, de resgatar outro grande pensador da economia: Joseph Alois Schumpeter (1883–1950). Embora Schumpeter seja muito conhecido pelas suas contribuições sobre a inovação e mudança tecnológica, ele trouxe, ao longo de sua vida, muitas outras lições, consubstanciadas em seus principais livros: Teoria do Desenvolvimento Econômico (1911), Ciclos de Negócios (1939), Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942) e História da Análise Econômica (1954), este último publicado depois de seu falecimento.
A principal intenção de Schumpeter, ao longo de toda a sua pesquisa, foi a de entender e decifrar a anatomia do processo de mudança e, por essa vertente, elaborou algumas lições sobre o processo de desenvolvimento econômico, dentre as quais, resgatamos duas.
Em primeiro lugar, dizia Schumpeter, é fato comprovado que o sistema econômico não anda sempre à frente de modo contínuo e sem tropeços. Muito pelo contrário, ocorrem periodicamente movimentos bruscos em direção contrária, dos mais variados tipos e por diversas causas. Esses contratempos não somente interrompem e obstruem o caminho do desenvolvimento, mas o colapsa, destruindo o sistema de valores econômicos vigente e embaralhando todas as expectativas antes construídas. A crise se instala e todos os parâmetros e indicadores anteriores passam a não indicar mais uma direção segura.
Em segundo lugar, Schumpeter advogou que o novo processo de desenvolvimento, que emerge depois das cinzas, deve ser diferentes do anterior, formado de “outra substância”, com novos objetivos e significados, novas visões e, sobretudo, assentado em outros valores. Se não for assim, as condições de um novo colapso são rapidamente gestadas.
Os estudiosos do desenvolvimento econômico, de base institucionalistas, entretanto, nos trouxeram outras lições relevantes. Parte das instituições sobreviventes ao colapso econômico, tentará, de todas as formas, recomeçar o processo de desenvolvimento nos mesmos moldes anterior. Ou seja, passado o colapso, alguns tentam reerguer a economia com os mesmos objetivos, significados, valores, visões e, sobretudo, com a mesma distribuição de ganhos e de interesses que havia anteriormente.
Pois bem, a atual crise mundial, desencadeada pelo Covid-19, abrirá a oportunidade, depois de passada a sua fase mais aguda, de retomar o processo de desenvolvimento. Caberá a todos nós decidirmos se será um mero retorno, com os mesmos valores anteriores, ou se o novo modelo se assentará sobre novas bases e perspectivas. Essa relevante discussão perpassa o conjunto de reflexões do Observatório do Desenvolvimento Capixaba (ODC), que apresentou algumas ações que poderiam ser tomadas pelo governo capixaba para assentar o progresso econômico e social do Espírito Santo sobre novos olhares e valores. Vale a pena, então, detalhar uma das propostas do ODC: formular e executar um programa de investimentos em infraestrutura, com ênfase na “infraestrutura social” de saúde e habitação no primeiro momento, em articulação com as prefeituras capixabas.
Essa proposição está em sintonia com quaisquer levantamentos de dados que evidenciam a necessidade de repensar as ações para que o desenvolvimento alcance também, de forma mais equitativa, todas as microrregiões do Espírito Santo. Isso porque, já é sabido historicamente que a economia capixaba se desenvolveu, depois da sua grande crise dos anos 1960, adotando um modelo de desenvolvimento concentrador na Região Metropolitana. A tabela abaixo mostra algumas evidências dessa necessidade.
Os números são bem claros. Em relação ao saneamento básico, existem evidências empíricas de que a falta do tratamento de esgoto provoca perdas nas condições de saúde, faltas no trabalho e queda no rendimento escolar das crianças (DIAS, 2018). As ações poderiam ser voltadas a criar as condições para que os municípios executem os seus respectivos Planos Municipais de Saneamento Básico.
A infraestrutura de saúde pública, pressionada por uma longa crise de subfinanciamento, precisa ser outro vetor de desenvolvimento e bem-estar da população. Salta aos olhos que em algumas regiões há apenas um leito de internação para mais de 700 habitantes. A construção da infraestrutura social com base na saúde poderá desenvolver vários elos de diversas cadeias produtivas no Estado do Espírito Santo. A reconversão programada de indústrias locais poderá contribuir. Os dados do Plano Estadual de Habitação 2030 mostram, por sua vez, que há muitos domicílios ainda carentes de serviços de infraestrutura (água, esgoto, asfaltamento, iluminação, coleta de lixo). Um plano de ação para essa área também encadearia várias indústrias e setores de serviços no Espírito Santo.
A ótica do desenvolvimento nos impele a olhar o futuro a partir de novas estratégias de ação. A teoria e a visão tradicional da economia (e todas as instituições fundamentadas nesses parâmetros) buscarão retomar o processo de desenvolvimento a partir do ponto anterior ao estouro da crise. Portanto, será preciso lutar por novos parâmetros, novas visões e objetivos mais direcionados para o bem das pessoas e o bem- estar de todos os cidadãos capixabas espalhados pelo território.
Referências bibliográficas
DIAS N. A. Déficit de acesso a coleta de esgoto sanitário o Espírito Santo (2018) Dissertação de Mestrado. Programa de Pós Graduação em Engenharia e Desenvolvimento Sustentável. UFES.
SCHUMPETER J. A. (1911) Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo: Editora Abril (1983).
SCHUMPETER, J. A. Business Cycles: A Theoretical, Historical, and Statistical Analysis of the capitalist process, 2 vols, New York: McGrawHill, 1939.
SCHUMPETER J. A. (1942) Capitalismo Socialismo e Democracia São Paulo: Fundo de Cultura (1961).
SEDURB – Secretaria Estadual de Saneamento Habitação e Desenvolvimento Urbano.(2014) Plano Estadual de Habitação. Vitória Sedurb.